O TRABALHO NA CLIAMA

 

Estar em uma clinica onde podemos desenvolver um trabalho integrado, sob a ótica de diversos profissionais, com varias especializações, traz resultados completos e gratificantes. A CLIAMA acolhe os educandos e seus familiares de forma individualizada e humanizada, oferece diversas terapias e atividades, seguindo a tendência atual que avalia cada caso, e propõe as mais indicadas conforme o problema a ser trabalhado, e o potencial de cada um. Deve-se ter o cuidado de não indicar terapias e atividades excessivas, que muitas vezes trazem mais stress e cansaço, podendo ate prejudicar mais do que ajudar no desenvolvimento da criança.

Nós pais, fundamentalmente, queremos basicamente que nossos filhos desenvolvam autonomia e sejam felizes, e este deve ser o foco e a proposta de todo tratamento e abordagem. Não importa qual o grau de prejuízo e comprometimento da criança, sempre é possível mudar algo e proporcionar melhor qualidade de vida para ela e para a família.

A clínica também oferece um trabalho fundamental com os familiares, através de grupos educativos para trocas de experiências e abordagens individualizadas com a família, quando necessário. Através dessas estratégias, os resultados clínicos são bem mais satisfatórios do que apenas a abordagem farmacológica.

E, falando nisso, quando devemos medicar alguém com diagnóstico de autismo, ou síndrome de Down, ou outra condição clínica? O fato de alguém ser portador destas condições não implica na necessidade absoluta de usar medicação, porém alguns comportamentos comuns nessas condições, ou a presença de uma comorbidade acarretam prejuízos importantes na socialização e na qualidade de vida da pessoa e da família.

Nestes casos, os pais devem considerar a importância e não relutar quanto ao uso dos remédios…que bom que vivemos na época onde a ciência desenvolveu estas substâncias capazes de melhorar a socialização, o convívio, e o prognóstico. Se pensarmos bem, antigamente não existia escova de dentes, televisão, avião, internet…sendo assim, devemos comparar as medicações a estas outras descobertas tecnológicas tão importantes na nossa época.

Quando medicar então? Quando estamos diante de um diagnóstico de alguma dificuldade específica de uma criança. Por exemplo, no caso do transtorno do espectro autista, devemos a principio auxiliar no desenvolvimento e na aquisição de habilidades cognitivas e sociais, geralmente através de psicoterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, musicoterapia, entre outras, visando propiciar o máximo de autonomia e qualidade de vida a ela.

Estas terapias visam melhorar algumas características inerentes à condição da criança. No caso do Autismo de grau moderado a grave, por exemplo, é comum a pessoa apresentar dificuldade na aquisição da linguagem, e o trabalho com a fonoaudiologia pode ser usado para desenvolver formas alternativas de comunicação. No Autismo de grau leve (por exemplo, a Síndrome de Asperger), geralmente não há prejuízo na linguagem, mas sim nas interações sociais, que podem ser trabalhadas em outras terapias, tais como psicologia, musicoterapia, etc.

O conceito de Espectro Autista é hoje utilizado como diagnóstico, sendo classificado entre leve, moderado e grave, de acordo com as características da criança. Os sintomas variam em cada caso, desde um grau mais leve, onde é praticamente imperceptível este diagnostico, até um quadro mais típico, com as características comuns: atraso da fala, dificuldade de socialização e interação, fala na terceira pessoa,etc.Geralmente os quadros clínicos mais graves são diagnosticados mais cedo, por volta dos dois ou três anos, pois é mais perceptível a dificuldade na fala e linguagem. Os quadros mais leves geralmente são diagnosticados tardiamente, por volta dos sete anos ou mais.

É um equívoco tentar classificar precocemente o grau de autismo apresentado pela criança, pois muitas melhoram bastante, através das terapias já citadas quando implementadas de forma eficaz e criteriosa. Assim, mesmo diante de um quadro aparentemente grave de autismo nos primeiros anos de vida, a criança pode apresentar melhora significativa com o passar dos anos. Paradoxalmente, se uma criança é diagnosticada como quadro leve e não houver estimulo e intervenção terapêutica, poderá evoluir com prejuízos importantes no futuro.

Quando usar medicação?

Geralmente, é necessário iniciar o uso de medicação nas seguintes condições:

Agressividade excessiva – quando há um comportamento opositor importante, e a criança reage de forma agressiva, podendo agredir os outros ou praticar auto-agressão, ou destruir objetos e propriedades, devemos considerar o uso de medicação, além de orientar a família à intervir nas possíveis razões desses atos. Geralmente os fármacos que são utilizados nestes casos são os neurolépticos.

Dificuldade de interação social- apesar de ser uma característica própria do espectro autista, alguns fármacos já estão sendo utilizados para melhorar a capacidade de socialização, através de estudos de neurofisiologia. Porém estes fármacos ainda estão em fase de estudos, e ainda não possuem aprovação completa para o seu uso.

Insônia- estão sendo usados também alguns fármacos para melhorar o padrão de sono de alguns pacientes que tem dificuldade de dormir.

Comportamento repetitivo- as estereotipias são formas de manifestação emocional nas pessoas autistas, e são usadas para expressar angústia, ansiedade, e felicidade, entre outras. Este comportamento não é considerado patológico, e não precisa ser tratado, salvo em situações onde há auto-agressão. O comportamento repetitivo e a necessidade de rotina são também características do quadro, porém quando há uma rigidez muito grande e inflexibilidade que alterem a rotina da pessoa e da família, é recomendado o uso de medicamentos. Por exemplo, uma criança que toma vários banhos por dia, ou que prejudique a rotina dela e da família, pode ser beneficiada com o tratamento.

Hiperatividade e desatenção- a experiência clínica e os estudos populacionais mostram que é comum a comorbidade do transtorno do espectro autista e o TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade), e as crianças autistas tem os sintomas do TDAH com uma freqüência muito maior do que na população em geral. Nestes casos, é importante utilizar os recursos não farmacológicos, tais como psicopedagogia e atenção diferenciada no aprendizado, sendo que algumas crianças também se beneficiam com alguns fármacos usados em TDAH. As pesquisas nesta área estão crescendo, pois as crianças autistas tendem a apresentar efeitos adversos com mais freqüência no uso destas medicações, tais como irritabilidade e piora na interação social.

É muito importante ressaltar que a associação do uso de medicamentos e as terapias trazem resultados promissores e animadores. Nem sempre conseguimos mudanças somente com o uso de medicações, mas estas auxiliam muito o desenvolvimento e a melhora global da criança. Na grande maioria dos casos, a melhora exige uma mudança de postura e atitude da família, e por isso é muito importante a participação e o envolvimento direto desta no tratamento.

DSM 5 e novidades no diagnóstico

Os profissionais de saúde mental seguem dois instrumentos padronizados no diagnóstico dos transtornos mentais: o CID 10(classificação internacional de doenças), mais utilizado na Europa e também no Brasil; e o DSM 5, adotado nos EUA e também no Brasil.

A edição mais atualizada do DSM -a quinta edição- foi lançada no ano passado, após um extenso trabalho de cerca de oito anos, envolvendo centenas de clínicos e pesquisadores médicos e também outros profissionais de saúde mental (psicólogos em sua maioria). Está sendo considerado como um marco na mudança de paradigmas no diagnóstico psiquiátrico.

No que diz respeito às mudanças nos critérios diagnósticos no transtorno do espectro autista, ao invés da tríade de sintomas utilizada anteriormente para fechar o diagnóstico (alteração no comportamento, comunicação e interação social), utilizamos atualmente somente a díade de sintomas: alterações na comunicação ou linguagem e dificuldade na interação e habilidades sociais.

Também muda a classificação no que diz respeito ao grau de acometimento: atualmente utilizamos o termo leve, moderado e grave para categorizar o quadro clínico (lembrando que estes diagnósticos são dinâmicos e podem mudar de categoria ao longo da vida).

Dentro do diagnóstico do TDAH, a principal mudança nos critérios diagnósticos é a idade de início dos sintomas: foi entendida de sete para doze anos, uma vez que muitas crianças só desenvolvem claramente os sintomas após a idade escolar e o inicio da alfabetização.

A ciência auxilia no processo de pesquisa e padronização dos diagnósticos, mas o objetivo maior deve ser o desenvolvimento adequado, maior autonomia e qualidade de vida dos pacientes. Mais importante do que categorizar e rotular as pessoas, é saber que cada ser humano é único, e traz consigo uma herança genética e também do meio que vive e em que viveu, e assim deve ser tratado em suas necessidades e potencialidades.

Dra Gianna Guiotti Testa

Medica psiquiatra e especialista em medicina de família
Mãe da Yara e da Anita
Integrante da equipe CLIAMA